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Room

Mais um dia de baixa, mais um livro, mais uma review.


Este livro começa no quinto aniversário de um rapaz, Jack. Jack é o narrador, e vive com a sua mãe, a quem chama apenas "Ma", num quarto confinado ao qual chama "Room". A mãe diz-lhe que tudo o que há na televisão é imaginário, e apenas o que há no quarto é real. Em consequência, Jack sente-se afeiçoado a objectos como o tapete, uma planta, a mesa, etc, e trata-os como se fossem seres vivos.

Os dias de ambos são passados naquilo que Jack considera serem imensas coisas para fazer, ler os mesmos cinco livros vezes e vezes sem conta, comer, tomar banho, limpar as coisas, exercício, jogos, televisão (Dora the Explorer), ser amamentado e falar constrangedora e constantemente sobre que lado lhe sabe melhor - algo que a mãe claramente não considera suficiente - até que, chegada a noite, a mãe fecha Jack no armário para receber um homem a quem Jack chama "Old Nick" devido a algo que ouviu na televisão.

Jack nunca teve contacto com o Old Nick, só sabe que este vem de noite e traz comida e algumas necessidades, que são a "prenda especial de domingo"; mas enquanto está fechado no armário conta as vezes que a cama range desde que ele entra na cama com a mãe.

Dá para ver tudo o que está errado aqui?

Jack achava ter uma vida quase idílica, na verdade - ele e a mãe só se tinham um ao outro, dependiam emocionalmente um do outro e, lá está, era a única realidade que ele conhecia, e julgava ser real. Até que, gradualmente, a mãe lhe começa a revelar que há um mundo lá fora e o motivo pelo qual mentiu.

Temos duas pessoas fechadas num quarto, uma das quais só conhece a realidade do que está lá dentro, enquanto a outra deseja voltar a ver o mundo lá fora. É uma situação muito Fritzl-esca (e li posteriormente que sim, o livro tem essa inspiração como base), em que a criança vítima de abuso nunca viu o mundo lá fora, até que, por motivos médicos extremos, sai e o mundo descobre a verdade (neste caso, Jack finge a morte para poder escapar e alertar alguém do que se passava).

O Old Nick é um vilão um bocado passivo, fora as visitas nocturnas e ocasional agressão, e é um bocado difícil sentir muita emoção com a fuga e consequente captura. Como é que nunca nenhum vizinho questionou o facto de ele ter uma construção no pátio com uma clarabóia, paredes à prova de som e um mecanismo de entrada com códigos e não chaves que visita todas as noites transcende-me um bocado - mas lá está, somos todos um bocado culpados de não questionar hábitos potencialmente criminosos alheios. Sempre que há notícias de crimes e vão entrevistar os vizinhos, nunca ninguém suspeitou de nada, era tão bom rapaz, etc.

O livro divide-se em duas partes distintas: antes do resgate, quando Jack e a sua mãe estão presos no quarto, e após o resgate, quando tentam habituar-se ao mundo lá fora, a tudo o que há de novo. A primeira parte é marcadamente mais forte que a segunda, com toda a tensão e o tentar perceber tudo o que há de errado. Todo o livro avança de forma bastante lenta; lê-se muito bem, porém tanto é repetitivo (o que se percebe, tendo em conta que há limites ao que se pode fazer num quarto) como lento e em muitas partes desinteressante.

O que gostei neste livro foi o esforço da mãe em fazer as coisas parecerem normais e aceitáveis para Jack, e o facto de oferecer uma perspectiva e humanizar vítimas de crimes horrendos.

Segundo percebo, muitas das críticas ao livro advêm do facto de este ter sido escrito do ponto de vista de uma criança de cinco anos, e eu percebo porque em muitas partes era irritante. Jack cresce sozinho com a sua mãe, adulta, que o tenta educar ao máximo e corrigir a sua gramática, e vêem imensa televisão: no entanto, ao mesmo tempo que ele usa palavras de forma prolixa (e esta é uma palavra que ele possivelmente utilizaria), ele dá erros estúpidos e fala de maneira quase sem sentido. Tipo the hurtest. Ao mesmo tempo, também retira toda a possibilidade de termos o ponto de vista completo da mãe.

No entanto, mostrar as coisas do ponto de vista de uma criança de cinco anos que nunca viu basicamente nada, que não conhece nada para além do quarto, dá uma visão muito mais escura das coisas. Jack acha que no quarto estava seguro. Era o mundo inteiro dele e até a mãe tem dificuldades em compreender por que é que ele não gosta do mundo "lá fora".

"Want to go to Bed."
"They'll find us somewhere to sleep in a little while." 
"No. Bed."
"You mean in Room?" Ma's pulled back, she's staring in my eyes.
"Yeah. I've seen the world and I'm tired now."

É uma boa leitura e entretém, mas não acontece muito, e o livro tem demasiadas páginas para tão poucos eventos. A minha personagem preferida é o novo companheiro da avó de Jack (a mãe da mãe dele - sim, mesmo para ela há muitas surpresas e novidades no mundo do qual esteve distanciada durante sete longos anos), que é compreensivo e calmo e parece ser a pessoa mais decente do livro.

3/5

Podem comprar esta edição aqui, ou em português aqui.

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