Avançar para o conteúdo principal

O Mundo de Sofia

A minha mãe requisitou este livro e não o conseguiu ler. "Demasiada filosofia", diz ela.


O Mundo de Sofia é uma espécie de Filosofia 101, realmente. É daqueles livros que sempre ouvi falar como sendo bom e relevante e fazer uma pessoa pensar muito no mundo e na vida.

"Desiludida" não chega para explicar o que sinto quanto ao Mundo de Sofia. Há muito tempo que não me custava ler um livro como este custou.

Este livro está escrito de fora simples, claramente indicado para uma audiência mais nova - o que não tem mal nenhum, até porque o objectivo claro deste livro é ensinar gente mais nova sobre filosofia e criar interesse sobre o assunto. A ideia base é que uma miúda norueguesa de 14 anos, a Sofia, entra num curso de filosofia por correspondência com um desconhecido que lhe deixa cartas no correio. Sim, um total desconhecido, mas mais sobre isso mais à frente. Este ensina-lhe sobre os pontos principais da filosofia ocidental, começando nos gregos e acabando nos existencialistas. Sofia cresce e aprende e reflecte sobre o mundo. Ao mesmo tempo, Sofia recebe postais e objectos misteriosos pertencentes ou destinados a uma tal de Hilde, vindos do pai dela.

Assim, este livro é não só uma história da filosofia, como uma obra de ficção, entrelaçando ambos os aspectos ao longo da narrativa. A ideia não é má, juntando educação com entretenimento, mas tenho uns quantos problemas com o livro, mas o principal é o facto de a Sofia ser uma miúda um bocado parva e ter diálogos com o seu professor desconhecido como:

 - Não era um pouco estranho cristianizar filósofos que tinham vivido tantos séculos antes de Cristo?
 - Sim, mas por "cristianização" dos dois grandes filósofos gregos entendemos que eles foram interpretados e entendidos de forma a não constituírem uma ameaça para a doutrina cristã. Acerca de S. Tomás de Aquino, diz-se que "agarrou o touro pelos cornos".
 - Eu realmente não sabia que a filosofia tinha alguma coisa a ver com tourada.

A sério, Sofia? Está bem que essa parte em particular pode ser culpa da tradução, mas da mesma maneira, o diálogo é em geral um bocado mau - especialmente as intervenções de Sofia nas aulas e o facto de ela ofender o seu professor e falar mal dos pais da sua melhor amiga à sua melhor amiga e coisas extremamente rudes assim do género. A Sofia é pouco caracterizada e dentro disso tem vários defeitos que só fazem com que não se consiga gostar dela.

Não vou citar mais do livro porque honestamente não destaco nada sem ser pela negativa.

Os primeiros capítulos foram particularmente difíceis, dado a parvoíce da Sofia e o facto de não acontecer muito, sem ser a Sofia receber cartas e ir lê-las e às vezes responder e tentar descobrir a identidade do remetente - apesar de ser estranho e creepy receber coisas assim, Sofia, ilogicamente, vai na cena e fica inclusive entusiasmada.

Mais ou menos a meio do livro, o conflito (a questão da Hilde) torna-se mais premente. No entanto, a resolução é honestamente estúpida. Não vou spoilar, mas é estúpida e a partir do momento em que elementos absolutamente absurdos (tipo personagens de ficção provenientes de contos, da Disney,  monstro do Loch Ness, etc) se tornam personagens de um livro até aí realista é demasiado para mim. É demasiado "meta-ficção" e a partir do momento em que isso acontece toda a estrutura narrativa parece desmoronar-se.

Ao longo da história, talvez tão irrealisticamente como a inclusão de personagens acima descrita, ninguém estranhou que um homem de quarenta e tal anos mandasse cartas e tivesse encontros a dois em sua casa com uma miudita de 14 que não conhecia de lado nenhum e que deixa de se interessar pela escola para se interessar pelo que ele tem para dizer de forma completamente obsessiva. A mãe de Sofia nunca proibiu nada disto, tendo apenas curiosidade e vontade de o conhecer, algo que adiou durante meses. Acho isto bizarro e desconfortável.

A parte da história da filosofia é melhor, como introdução: obviamente não cobre nenhum assunto, tema ou filósofo de forma particularmente profunda (apesar de haver espaço para detalhes triviais sobre cada filósofo), mas há informação suficiente para quem estiver interessado partir e explorar melhor, e pode encorajar a um estudo mais sério da filosofia - e isso está claramente a favor do livro. Toca pouco na filosofia oriental, fazendo-o apenas para ilustrar pontos em que esta afectou directamente o pensamento ocidental. Uma coisa que me intrigou e estranhei um bocado foi a inclusão de cientistas como Darwin, Marx e Freud como filósofos, quando estes foram autores de descobertas científicas ou sociológicas completamente inovadoras e que mudaram muito o mundo, não enquanto filosofia mas enquanto ciência.

Acho que este livro é um projecto ambicioso, e tinha muito para dar certo - mas não deu.


1.5/5

Podem comprar esta edição aqui, ou em inglês aqui.

Comentários